segunda-feira, 3 de novembro de 2025

OS PARTIDOS E O REGIME

 

O regime democrático pressupõe a possibilidade de afirmação de diversas visões do mundo e consequentes propostas para a gestão da coisa pública, aos diversos níveis. Em conjugação com a liberdade de associação, surgem assim os partidos que agregam cidadãos que partilham essas visões. Desde a Assembleia Nacional Constituinte durante a Revolução Francesa que se tornou tradição classificar os partidos entre esquerda e direita, que foi assim que os então jacobinos e girondinos se sentaram naquela assembleia.

A existência das diversas opções veiculadas pelos partidos que concorrem entre si em liberdade é mesmo uma das diferenças fundamentais da democracia relativamente às ditaduras. Mesmo quando estas têm aquilo a chamam “partido”, basta este ser único para que os cidadãos não o sejam verdadeiramente, porque não têm liberdade para se associar e sujeitar as suas opções à vontade popular.

No início do regime democrático formaram-se vários partidos de acordo com as suas opções ideológicas, então dentro dos limites definidos pelos militares do MFA, já que as novas instituições civis ainda não estavam constituídas. Da oposição ilegal ao anterior regime vieram o PCP e o PS e da sociedade civil surgiram o PPD e o CDS. Havia ainda alguns (bastantes) partidos de extrema-esquerda trotskista mas que nunca se afirmaram verdadeiramente do ponto de vista eleitoral.

As circunstâncias do corte socio-político desse momento ditaram que os dirigentes partidários de então se tivessem todos formado quer politica, quer profissionalmente durante o regime anterior, o que significou uma capacidade de afirmação e mesmo de luta que os tornava de excepcional qualidade. Olhando à distância de 50 anos impressiona que o país tenha tido Sá Carneiro, Álvaro Cunhal, Mário Soares, Salgado Zenha, Freitas do Amaral ou Amaro da Costa todos em simultâneo na cena política.

Ninguém espera que um escol deste calibre esteja permanentemente à frente dos partidos. Mas cair no oposto também não é aceitável. O que se verifica é que, ao longos das últimas décadas, os dirigentes partidários têm surgido de dentro das máquinas partidárias, sem que tenham tido antes uma vida profissional ou cultural, o que quer que lhes transmitisse uma mundividência minimamente aceitável.

Pelas mais diversas razões as elites do país, que as há e de grande relevo, ou não são atraídas pela política ou são mesmo segregadas pela mediocridade que sempre existe em todas as instituições e os partidos não são excepção.

Se em tantas áreas temos gente de superior qualidade, porque é que isto sucede na política, que deveria ser a mais nobre das actividades, por tratar do bem comum e definir decisivamente o futuro colectivo?

São os partidos que se devem regenerar por dentro abandonando práticas que minam a democracia interna. E estabelecerem critérios de exigência ética que evitem situações que vergonham toda uma geração como a que assistimos hoje em Tribunal com um ex-primeiro ministro. Enquanto isso não suceder, o país assistirá à degradação da política, deixando o terreno livre aos mais diversos populismos.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 3 de Novembro de 2025 

sábado, 1 de novembro de 2025

O NOSSO PROBLEMA COM A MANUTENÇÃO

 

A recente tragédia do acidente do histórico Elevador da Glória em Lisboa em 3 de Setembro último que provocou 15 mortos e 22 feridos e uma justificada comoção nacional tem sido objecto das mais variadas e desencontradas tomadas de posição. À infelicidade da tragédia em si veio somar-se a data em que ocorreu, poucas semanas antes das eleições autárquicas, propiciando lamentáveis afirmações de responsáveis políticos que mais não pretendiam que obter vantagens políticas nuns casos e desresponsabilização noutros.

A recente publicação do Relatório Preliminar do GPIAAF (Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários) veio colocar luz sobre as áreas que permaneciam em relativa obscuridade. Desde logo, o elevador da Glória foi instalado ainda no sec. XIX estando classificado como monumento nacional, datando a sua actual tipologia e configuração de 1914. Desde essa data tem sido objecto de diversas intervenções e beneficiação, para além de manutenção regular.

O facto de ser monumento nacional colocou-o fora da aplicação da directiva europeia, transposta para a legislação nacional em 2002, ficando excluído da supervisão do INTF, pelo que a responsabilidade da exploração e funcionamento recaiu apenas na Carris. Na realidade, o Relatório Preliminar mostra quão errados estavam os pressupostos para aquela decisão.

O Relatório Preliminar aponta como causa concreta deste acidente a rotura do cabo de tração/equilíbrio entre as duas cabinas, cabo esse que não estava conforme com a especificação da CCFL para utilização no Elevador da Glória. Na realidade, “o certificado de inspeção fornecido pelo fabricante declara que o cabo não pode ser usado com um destorcedor, o que não é a situação no Ascensor da Glória”. A esta situação acresce que o Elevador da Glória não dispunha de sistema redundante de travagem, pelo que os esforços desesperados do guarda freio para parar a cabine solta não surtiram efeito.

A questão das responsabilidades do acidente virá, certamente, a ser definida pela Justiça e não me vou agora debruçar sobre esse aspecto.

Este acidente faz imediatamente lembrar a queda da ponte de Entre-os-Rios em 2001 que provocou 59 mortos. Em ambos os casos trata-se, claramente, de uma questão de manutenção de equipamentos públicos. Estes acidentes são a prova de que há, em Portugal, um problema com essa manutenção, mais parecendo que só existe problema quando algo corre mal. Na realidade, é a sorte que determina não haver muitos mais acidentes.

O que interessa é construir equipamentos, fazer obra, ficando a manutenção relegada para uma questão secundária, até porque, a haver problemas, surgirão muito tempo depois. Ao contrário, há países que, quando decidem uma obra pública, incluem no custo a manutenção durante a sua vida útil. Até porque esse facto pode decidir por uma ou outra solução técnica.

É tempo de os portugueses tomarem verdadeiramente consciência deste problema, exigindo rigor no que respeita a obras públicas e que a manutenção dessas mesmas obras seja uma questão central na decisão de construção e financiamento.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em  27 Outubro 2025

terça-feira, 21 de outubro de 2025

EUROPA EM GUERRA

 

Tendo em conta apenas, aproximadamente, os últimos 150 anos a Europa tem sido palco de diversas guerras que, observadas à distância temporal, acabam por surgir todas encadeadas e com nexos de causalidade entre si, ainda que tenham ocorrido com algumas dezenas de anos de intervalo entre elas.

Entre 1870 e 1871 ocorreu a Guerra Franco-Germânica que, na sua essência, constituía uma consequência das anteriores guerras napoleónicas. Embora de curta duração, a sua importância histórica foi enorme. Por um lado, a vitória dos alemães permitiu a unificação alemã com Guilherme I, incluindo a anexação prussiana da Alsácia-Lorena. Do lado francês ditou a queda de Napoleão III e o início da Terceira República Francesa tendo ainda dado origem à breve Comuna de Paris cujo povo se recusava a aceitar a derrota francesa.

Não passaram muitos anos até que a Alemanha estabelecesse alianças sucessivamente com a Áustria/Hungria e com a Itália na que ficou conhecida como a Tríplice Aliança. Em resposta a França, que alimentava desejos de vingança contra a Alemanha pela guerra anterior, constituiu com a Grã-Bretanha a Entente Cordiale que passou a Tríplice Entente com a adesão da Rússia. Com estas alianças militares no terreno, faltava apenas um detonador para a guerra generalizada. Tal aconteceu com o assassinato em Sarajevo do arquiduque Francisco Ferdinando. A guerra que se seguiu determinada pelos líderes das duas alianças, que eram quase todos primos entre si, veio a ser conhecida como a Primeira Guerra Mundial. Durou quatro anos entre 1914 e 1918, causando mais de 20 milhões de mortos, entre civis e militares. Ditou ainda o fim de quatro impérios europeus, o Império Alemão, o Império Austro-Húngaro, o Império Russo e o Império Turco-Otomano. O seu fim coincidiu também com o início da Revolução Soviética na Rússia e com o desenvolvimento e posterior poder das ideologias ultra-nacionalistas: o fascismo e o nazismo.

Os termos do Tratado de Versalhes que fechou a I Grande Guerra viriam a ditar, poucos anos depois, a militarização da Alemanha com Adolf Hitler e uma nova guerra terrível: a II Guerra Mundial entre 1939 e 1945, esta mais próxima de nós, já que terminou apenas nove anos antes de eu ter nascido. Morreram mais de 80 milhões de pessoas.

Seguiu-se o que se costuma chamar Guerra Fria entre o Ocidente liberal e a União Soviética comunista que só viria a terminar com a implosão da URSS em 1991. Após um breve período em que pareceu possível a amizade entre a Rússia e a Europa ocidental, em Moscovo passou a mandar um antigo oficial do KGB que depressa orientou o país para o antigo ímpeto imperialista russo. Assim surgiu a invasão da Ucrânia, que se desenrola desde há três anos.

Nos momentos anteriores a todos estes conflitos bélicos havia dois caminhos possíveis: o da paz e o da guerra. E ninguém podia imaginar as consequências da escolha. Só a História nos informa sobre o que realmente aconteceu, isto é, depois do sucedido.

Estamos novamente num desses momentos com a Guerra na Ucrânia. O que nos trouxe até aqui e o presente, todos conhecemos. Mas o futuro, não.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 20 de Outubro de 2025